Conversei com Deus sobre São Tomé e Príncipe
11-08-2012 20:24:27
O dia 12 de Julho será azarado? Somos bons e os dias são maus? Estaremos inexoravelmente condenados à pobreza extrema?
Foi mais um dia em que eu me deitei com recordações daquele quintal grande em que as filhas da minha avó tinham as casas ao redor da dela.
Naquele dia estive a escavar (a mondar) a horta a partir das 6 da manhã antes de me preparar para 10 minutos de viagem que me levariam ao posto oficial de trabalho às 8, donde sairia às 16 regressar à casa onde iria regar, cuidar dos animais e voltar a mondar a horta até que me chamassem para o jantar. Trabalhei compactamente nada menos de 12 horas. O meu cansaço era aliviado com a memória da minha avó a distribuir a jaca por pedacinhos proporcionais ao número dos elementos de cada uma das casas. Recordei-me do prazer de receber das mãos dela aquelas folhas-macabali amargas de fazer tremer um corpo infantil quando esmagadas contra os dentes para matar os bichos que os estragavam. Veio a revolta de não saber se os meus primos guardaram os princípios da distribuição equilibrada e honesta que aprenderam com a minha avó ou se estão simplesmente a ser vítimas dos que não tenham aprendido ou que se tenham esquecido. O cansaço, a recordação prazenteira, a revolta e o sono inanimaram o meu físico e produziram uma luz falante diante de mim:
_ Por que não te tranquilizas depois de um dia bem preenchido como este?
_ Não consigo deixar de pensar nas dificuldades que atingem as pessoas da minha origem.
_ Hoje respeitaste todas as horas que te concedi. As pessoas em quem pensas estarão satisfatoriamente tão cansadas quanto estás?
_ Mas, quem me fala sem que eu possa ver?
_ Sou o Deus.
_ Quantas perguntas guardadas para Si! Posso me esquecer de mim mais uma vez e perguntar o que mais curiosidade me provoca?
Invadi o silêncio sem saber se a isso estava autorizado:
_ O dia 12 de Julho é de facto um dia azarado?
_ A quem pertencem os dias?
_ Sendo Senhor dos tempos, peço que me perdoe ter pensado que poderia dedicar um dia mau aos seus filhos. Não encontro uma explicação para que tenhamos tanta desilusão depois desse dia tão esperado e tão aclamado como o nosso dia de glória.
_ O Abel levanta-se num dia que ele considere triste e vai cuidar da sua lavra; busca o ânimo para si tratando os outros com amor e recebe sorrisos em troca; ensina aos mais novos a arte de produzir, colher e distribuir com justiça pelos elementos do grupo. O Caim levanta-se tarde espreguiçando-se alegremente num dia que ele considere glorioso; procura saber se existe em casa algo que alguém tenha levado para comer; procura uns amigos para jogar as cartas em comemoração de mais um dos muitos dias gloriosos; termina o dia a pensar em como devia ser só dele e dos filhos tudo quanto os outros produziram. Agora pergunto Eu: mesmo que num dia de sorte Eu crie um poço de petróleo na terra do Caim, a do Abel não terá um futuro mais risonho sem riquezas fáceis?
_ Devemos exterminar as pessoas com a mentalidade do Caim?
_ Não matarás!
_ Eles não farão com que morra muito mais gente com fome, doença e desordem social?
_ Não são eles.
_ São as pessoas como Abel?
_ Sois todos.
_ Há muitos a tentarem contrariar sem sucesso, aquilo em que a terra se tornou e mesmo assim somos todos culpados?
_ Muitos? Por causa de o que dizem? Confia-lhes a sua empresa e aguarda o resultado.
_ Somos todos maus?
_ Diante de Mim nenhum filho será mau ou menos estimado. As suas acções sim. Serão boas ou más. Quanto maior for o número dos que praticam as más acções maior será o vosso sofrimento sem que Eu precise de intervir. A bonança se erguerá diante do povo que cultivar o Bem e a tempestade perseguirá o que semear maus ventos.
_ Os que praticam as más acções não são maus? Pagaremos todos por eles? Esperamos todos que seja o Senhor a fazer a nossa justiça e afinal fala em pagarmos pelos erros dos outros? Onde é que está a sua Justiça?
Silêncio.
Foi como se a ausência de som me ensurdecesse para não ouvir merecidas represálias pela minha ousadia. Senti o perdão quando a conversa continuou sem qualquer alusão à minha petulância.
_ A minha Justiça, coloquei-a nas vossas mãos.
_ Nas nossas mãos?
_ Se as mulheres mostrassem desde o primeiro dia que não concordam com atitudes menos respeitosas, chegariam a ser espancadas e enxovalhadas publicamente pelos maridos? Se não recebêsseis o bem que vos ofereçam quando seja consabido que a proveniência desse bem é fraudulenta, não estaríeis a contribuir para desencorajar os açambarcadores dos vossos bens? Se os vossos filhos não presenciassem tanta subserviência vossa diante dos detentores de bens meramente materiais, não teríeis uma geração futura mais rica espiritualmente?
_ Assim somos todos culpados?
_ Se a maioria andasse nos caminhos que vos ensinei, a minoria seria sufocada pela vergonha de si própria. Em vez disso, está a ser enaltecida. Não castigo os Meus filhos. Não faço justiça por eles. Ensinei-lhes o princípio e espero que cresçam nos Meus caminhos: que sejam bondosos, trabalhadores, honestos e firmes a dizer NÃO a tudo quanto venha do Meu Inimigo.
_ Não nos vai tirar das garras dos nossos irmãos mais insaciáveis?
_ O maior prémio da Minha criação é ver os Meus filhos desbravarem os seus caminhos seguindo os Meus ensinamentos. Se o não fizerem significará que o sofrimento não foi suficiente para crescerem.
_ Podemos ter pior?
_ Se for, será feito e consentido por vós com muita tristeza Minha.
Apagou-se a Luz.
Acordei-me.
Readormeci de cansaço.
Horácio Will
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